Num final de tarde, em Marvila, Lisboa, estive à conversa com o Chef Chakall no seu mais recente habitat gastronómico, o Refeitório do Senhor Abel lado a lado com o Heterónimo BAAR (ver texto anteriormente publicado, neste blogue, com o título de “O Refeitório do Senhor Abel e o Heterónimo BAAR!”).
Conversámos sobre tudo um pouco: os seus projetos, inspirações, desejos, recordações, os hobbys, receitas preferidas…
Por isso, se quiser saber um pouco mais acerca de um dos mais conceituados Chefes de Cozinha a morar no nosso país, Chef Chakall, e sobre o que ele também tem a dizer sobre nós e o mundo lá fora, leia, já de seguida, caro leitor deste blogue, toda a entrevista criada especialmente para si, na íntegra:

Antes de lhe colocar a primeira questão, gostaria de agradecer toda a sua atenção, no sentido de me receber neste seu espaço, tomando um pouco do seu tempo, que de certeza será sempre pouco para atender a tantos pedidos; é uma honra, portanto, estar aqui, junto a alguém que eu caracterizo como sendo, em primeiro lugar, bastante alegre e bem disposto com a vida e os outros:

1) Tanto quanto eu sei, o Chef Chakall nasceu em Tigre, Buenos Aires, a 5 de Junho de 1972, sendo filho de, digamos que, de várias nacionalidades, já que os seus pais são de origem galega, suíço-alemã, basco francês, italiana e indígena do Norte da Argentina, correto?

Chef Chakall: Correto!

2) Então como é que foi crescer no meio de tantas culturas e tradições diferentes? E qual é aquela história de infância que mais se recorda e foi mais importante para si de alguma maneira?

Chef Chakall: Uhhhh! Está agora a perguntar-me qual foi a minha história, mas eu acho que eu sempre me lembro só de história trágicas ou cómicas ou coisas da infância… eu lembro-me de trágicas: uma vez eu fui picado por abelhas (…) lembro-me de uma vez perder-me de noite e chegar a minha casa caminhando (donde começa a história do meu nome Chakall!)… fazer 4 km para chegar a minha casa, sendo uma criança de 6 anos, através do campo, de noite “fechada”… lembro-me bem, porque estava um pouco aterrorizado, mas não chorei e não desesperei!
Lembro-me de muitas coisas: de comidas, de cheiro a assados da Argentina… lembro-me, de uma vez, o meu pai dar-me a beber vinho, para aí com 5 anos, vinho com soda, e todos os amigos dele a rir, mas era uma coisa cultural (…) antes era dar álcool às crianças e hoje era impensável!
3) Também sei que estudou jornalismo na Universidad del Salvador, trabalhando paralelamente como jornalista no diário El Cronista de Buenos Aires, estou certa?
Chef Chakall: Na realidade, eu comecei pela cozinha, pois eu sou a 4ª geração de “donos de restaurante”: eu cresci numa cozinha, onde a minha mãe é Chef; o meu pai era ator, mas também tinha um restaurante (…); meus avós, um na Itália tinha restaurante e outro na Suíça também, outro na Galiza também… ou Pasteleiro ou “dono de restaurante”, sou Cozinheiro, digamos que ligado à Gastronomia!
Quando eu cresci, o restaurante sempre foi sempre, digo, o meu karma: tentei estudar jornalismo, estudei jornalismo!
Eu não gostava de ter o cheiro da comida na roupa: quando eu comecei a sair com miúdas, com 15 ou 16 anos, eu estava com “cheiro a comida” e odiava e então eu dizia que “nunca vou ser Cozinheiro”, mas é o karma das coisas e «o filho de cozinheiro acaba cozinheiro», não há muita esperança!
Parece que não, adiamos tudo, os empregados estão a queixar-se, lembro-me de em miúdo estar a ouvir essas críticas e “eu nunca vou ter um restaurante e eu nunca vou fazer isto”, porque é horrível, porque quando o restaurante está cheio é um problema, quando está vazio é um problema, é sempre um problema…
4) E como é que afinal chegou a este mundo da culinária? E de onde é que vem toda essa inspiração para estar sempre a criar novos pratos cheios de sabor e paixão pelo que faz?
Chef Chakall: A minha mãe é cozinheira suíça-alemã, muito estrita, muito mais estrita do que eu; eu sou um pouco, assim «fantoche na cozinha», mas agora sou um pouco mais sério, mas já fui menos!
E a inspiração são as viagens: sobretudo, sou curioso… quando uma pessoa estuda jornalismo é porque é curioso: (…) o prato, como aquele, como é feito, porque é feito assim (…) eu gosto das culturas… entender a cultura popular é que é o mais importante: porque o bacalhau é popular em Portugal, e a carne, etc, etc…
E eu acho que uma coisa leva a outra (…) e acabo aqui, sendo o «palhaço da cozinha»!
 
5) Agora, de todos aqueles projetos em que teve a oportunidade de participar até hoje, quer tenha a ver com livros, programas de televisão, moda, empresa de catering, restaurantes ou até mesmo viagens, selecione aquele que mais lhe deu prazer realizar e diga porquê. 
 Chef Chakall: Acho que todo o projeto me deu muito prazer no início, um ano: eu adoro fazer coisas e no momento em que está a “andar”, já está… gosto de ver a “coisa” a desenvolver até ao ponto em que quero fazer “coisas novas”…
Acho que sou curioso, por exemplo, vou dar um exemplo: eu fiz já uns 15 formatos de televisão diferentes em 5 países, 4 continentes, e nunca faço mais do que 2 temporadas, nunca, aborreço-me, não consigo, é o chegar (…) é o sucesso  de audiências, acabo à 2ª temporada e digo que preciso de fazer uma coisa diferente, já é o limite para mim… estar a fazer a mesma coisa, mesmo que, de temporada a temporada haja uma reformulação ou uma mudança de estilo para ser diferente para as pessoas, para mim é a mesma coisa…
Eu chego, subo a mota, pulo, cozinho, faço isto, entrevista-me a senhora, entrevista-me o senhor, vamos embora e chego a um ponto em que eu já não consigo fazer, não me dá prazer, faça por dinheiro ou sozinho, não é suficiente!
6) Fora da sua vida, digamos que, mediática, como costuma ser o seu dia-a-dia? Quais são os seus hobbys?
Chef Chakall: Faço imensas coisas, só que não só “coisas”, são todas trabalho, o meu próprio trabalho é um hobby: eu viajo permanentemente, já vivi em países diferentes, culturas diferentes; já cheguei anteontem da China e vou-me embora depois de amanhã para São Tomé e Príncipe; volto, estou uma semana, vou para a Alemanha; num lugar estou a fazer um Bar, noutro um Restaurante, noutro um Programa de Televisão… viajar: o meu hobby é viajar, pagam-me para viajar, que é espetacular…
Quando eu não gosto, é como a minha vida, são as minhas folhas, e eu sou o tronco: caiem sozinhas, eu não consigo fingir, a minha própria natureza faz alguma coisa de que eu não gosto e desapareço, mesmo que eu não queira desaparecer; às vezes acontece-me que eu tenho contratos ótimos, mas eu por dentro já estou “seco”, e como estou seco, acabaram as energias e a seiva que chega às folhas e, portanto, do outro lado, a pessoa percebe, de alguma maneira, dizendo “bom, acho que o ciclo fechou”, e eu digo, “fechou o ciclo, estamos felizes, acabou”, é automático…
E quando eu estou com muita energia, consigo fazer imensas coisas: e faço, graças a Deus, bato na madeira, quero isso, foco isso… foco e de alguma forma as energias fazem com que eu consiga isso, não sei como também!
 
7) E quais são os seus maiores desejos para este ano de 2018? Mais algum projeto em mente?
Chef Chakall: Há muitas coisas, quero fazer coisas novas, nós temos projetos aqui novos (…)
Um programa de televisão na Alemanha: o programa mais popular na televisão alemã, que começa agora em março…
Um restaurante novo em São Tomé e Príncipe: estando agora já oficialmente a começar o projeto…
O bar da China, que foi onde tive agora e fiz o menu de comida portuguesa lá, muito engraçado: a proposta da Superbookera fazer um bar com coisas que não tinham nada a ver, nem com cultura portuguesa, nem com cultura chinesa, e eu disse “se nós vamos levar uma cerveja portuguesa, nós vamos adotar os produtos de Portugal na cultura chinesa”, e fiz o picapau, ensinei a fazer os croquetes (…) rissóis, chouriço, pastéis de nata…  a ideia é que tenha mesmo produtos, coisas para petiscar com cerveja!
 8) No que diz respeito a Portugal, o que tem a dizer sobre este país que o acolheu? 
Chef Chakall: Só posso dizer coisas boas! (…)
Antes de vir para aqui, estava a ver a minha entrevista na CNN, que eu nunca tinha visto, e estava a ver agora, e fiquei contente, e estava com 2 portugueses a ver isto e ainda bem que falei em Portugal: eu estava em Miami, e estava a perguntar o entrevistador “e os fornecedores sempre roubam?”,  e eu disse, fiquei assim a pensar (a primeira vez que vi a entrevista, já nem me lembrava do que tinha respondido), e eu digo “Em Portugal não, em geral são honestos, noutro país não posso dizer o mesmo, mas em Portugal não tenho essa sensação, se estão a tentar roubar (…)”
Acho que as pessoas sabem viver, é fantástico, estão num bom momento agora e há uma energia positiva… acho que mudou um pouco a energia dos portugueses (…) durante décadas, essa “coisa” de tudo negativo, com muitos portugueses a triunfarem no exterior, percebeu-se que os próprios portugueses não são assim tão maus…
Há muitos maus, mas há muitos bons… eu acho que aconteceram muitas coisas no país em que as pessoas acreditam que realmente é possível triunfar, fazer coisas bem, ter sucesso, não só a nível local, há imenso sucesso a nível internacional… e eu acho que é a influência dos estrangeiros e muita multiculturalidade ajuda muito também a isso, à mudança de mentalidades das pessoas…
E podemos falar na restauração: Portugal está na Europa, há uns anos atrás não estava na Europa, estava completamente fora, era tudo muito semelhante… eu acho que o caráter do português é ótimo e acho que agora, nesta nova vaga de influências, acho que está muito bem, acho que tem para muitos anos…
Portugal tem muita vantagem sobre outro país, as pessoas não se apercebem, mas algum dia vão-se aperceber!
 
9) É capaz de definir a “cozinha portuguesa”? Qual é aquele prato tradicional com que mais se tenta identificar?
Chef Chakall: Seja qual for, portuguesa, espanhola, italiana, também tem a ver com o clima, o clima tem a ver com os produtos… e se uma cozinha é produto, como todas as cozinhas mediterrâneas (as cozinhas do norte não são cozinhas de produtos, são cozinhas de panela, não há produto então temos de disfarçar o produto), aqui a cozinha é produto: o peixe grelhado, acho que o que define melhor Portugal é o peixe grelhado, o melhor peixe do mundo… peixe não precisa nada, não precisa de manteiga, só precisa de um bocadinho de azeite por cima, grelhado ou assado… é uma cozinha simples (acho que todas as cozinhas são simples, na realidade)… para nós, se calhar a cozinha japonesa é complicada, mas para os japoneses é assim: tem a ver com os produtos e com a cultura… a cozinha de refogado à base de (toda a cozinha tem o refogado), aqui de alho e azeite, cebola, e depois o que quiser por cima…
E o prato mais típico, não é um produto local, como o bacalhau, mas tem a ver com a história, mas que somado com o clima, dá o resultado da cozinha tradicional: bacalhau, seja qual a sua forma, é o melhor para mim, o “bacalhau à lagareiro”, ou grelhado ou assado, com azeite e alho por cima, um bom produto… um bom bacalhau não precisa de mais nada, não precisa de natas, não precisa de broas, não precisa de absolutamente nada e depende da região…
No Algarve, é mais mariscos, “ameijoas à Bulhão Pato” são ótimas, e, no norte, o cabrito: era o que eu comeria!
 
10) E o que diria a alguém que, enfim, pretenda agora iniciar uma verdadeira carreira profissional na área da restauração e afins? Ou o que é que é preciso realmente ter ou fazer, para se conseguir ser um grande Chef de Cozinha, assim como o Chef Chakall?
Chef Chakall: É um negócio complicado, porque primeiro tem de se saber de cozinha, mas depois tem de se saber de economia, tem de se perceber de clientes: tem de se perceber de tudo, tem de se saber lavar pratos, tem de se saber ser humilde… tem de se saber fazer de tudo: não é passar por tudo, mas saber fazer tudo… porque se vais aprender com o teu próprio restaurante a fazer um restaurante, é a melhor forma de ficar fora, que é o clássico… se uma pessoa cozinha bem e monta um restaurante, é uma estupidez: são tantos fatores que entram no meio que influem ter um restaurante…
Uma coisa é ser um cozinheiro, pois ter um restaurante é um negócio completamente diferente… ser cozinheiro: a pessoa é se acha que tem talento e perseverança; a restauração é uma «maratona» todos os dias… todos os dias têm de ser iguais, todos os dias tem de sair bem, e não é “hoje lavei o chão, lavei ontem, lavei anteontem, não tenho que lavar hoje” (…) cada dia tem que se fazer tudo, e não é “ontem fiz isso, hoje não faço”: aí é quando começa…
Depois depende do tamanho do restaurante, depende muito das pessoas: quanto maior é o espaço, mais fatores de risco… o maior fator de risco de insucesso: uma pessoa desde que falha… imagina uma carreira de carros: um motor tem 10 cilindros, se 1 não funciona, já está a funcionar com 9, funciona na mesma, vai, (…) 8, 7, 6, 5, funciona até com 2, agora «como funciona» é que é o ponto!
 
11) Para terminar, importa-se de sugerir alguma receita a todos os leitores deste blogue?
Chef Chakall: Estamos no inverno, agora, ok… vou-te dar uma simples: queijo Camembert, ou Brie, Président preferencialmente; fazer buracos, pôr croutons por dentro; depois, em separado, picas bacon, salteias, colocas também dentro, assim; na própria caixa do queijo, um pouco de mel, e metes no forno 6 minutos… depois comes: uma entrada espetacular, chega para 1 ou 2 pessoas!
Resumindo e concluindo, Chef Chakall é, sem dúvida, alguém bastante inspirador, marcado sobretudo pela sua história de vida demasiadamente eclética, dando origem à sua própria versatilidade e honestidade na sua maneira de ser e de estar!
Façamos da nossa vida o que gostaríamos que ela fosse e surpreendamo-nos, buscando aquela verdadeira autenticidade nas pequenas coisas, em vez de estarmos constantemente a movimentar-nos em círculos cada vez maiores, até àquele momento em que nos sentamos exaustos, sem mais alento para continuar e/ou alterar o nosso estado de espírito.
Pensem bem nisto, porque: nós somos o que comemos e… até ao próximo texto!
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