Adoro jardins botânicos e visito-os, sempre que possível, em vários recantos do mundo. É uma mania como outra qualquer, mas que me incentiva o desejo de conhecer, cada vez melhor, o reino fascinante da flora. Em 2002, estive em Washington e logo que pude, fui visitar o “The U.S. National Botanic Garden”. Quase todo com estufas climatizado e relativamente pequeno, comparado com outros congéneres, o atraente espaço estava dotado de pormenorizadas descrições científicas. Uma, das que me sensibilizaram, referia a alfarrobeira, “planta exótica e quase sobrenatural, face às suas múltiplas virtudes”. E lá estava a árvore, ainda pequena, numa estufa envidraçada, objeto de grande admiração dos curiosos visitantes. Lembrei-me então de que, quando miúdo, muito gostava eu de roer as vagens de alfarroba que o meu avô comprava para dar ao cavalo. Planta exótica, qual quê? Basta ir à nossa Arrábida e, nas cercanias do Portinho, divisar alfarrobeiras por todo o lado…
Contudo, a raridade da alfarrobeira à escala planetária, tem a ver com as exigências climatéricas desta árvore da bacia mediterrânica, conhecida desde remotas eras. Ela gosta de climas secos e suaves e não aguenta geadas. No que concerne ao nosso País e para além da vertente sul da serra da Arrábida, as alfarrobeiras concentram-se, sobretudo, no barrocal algarvio, onde assumem razoável expressão económica.

A Ceratonia siliqua L. é uma leguminosa de folha perene que logra atingir 10 metros de altura e durar cerca de 500 anos.

Possui tronco irregular, cinzento, com ramagens largas e pendentes. As folhas são elípticas, alternas, coriáceas, compostas, de verde-escuro brilhante e agrupam-se de três a cinco pares de folíolos.
As flores, muito pequenas, aparecem reunidas em cachos axilares cilíndricos, verde-arroxeados.
Os frutos
(alfarrobas) são vagens de 10 a 30 cm de comprido por 1,5 a 3 cm de largura. Apresentam-se coriáceas, espessas e indeiscentes. Inicialmente são verdes, passando a castanho-escuras quando atingem a plena maturidade.

As sementes de alfarroba são duríssimas. Têm forma ovóide, biconvexa e cor castanha.

A espécie é, salvo raras excepções, dióica, ou seja, os indivíduos femininos encontram-se separados dos masculinos. Para uma frutificação eficaz, é necessário uma árvore “macho” para 25 “fêmeas” (um verdadeiro harém!). Geralmente, os frutos só aparecem (nas fêmeas, obviamente) a partir dos 15 anos.

Da alfarroba aproveita-se, sobretudo, a farinha que é a parte obtida pela trituração e posterior torrefacção da polpa da vagem. Ela contém cerca de 50% de vários açúcares, para além de fibra (celulose), proteína, cálcio, fósforo, magnésio, silício, ferro, taninos, pró vitamina A e vitamina B1. 
O produto é amplamente utilizado na indústria alimentar, como sucedâneo do cacau, em pastelaria, alimentos dietéticos e papas para bebés. Podemos dizer que o consumo de alfarroba é mais saudável porque praticamente não possui gordura (o cacau tem cerca de 23% de gordura), nem glúten, nem cafeína, ou outro alcalóide. Em compensação, tem muito mais açúcares do que o cacau.
Da semente, que representa apenas 10% da vagem, extrai-se a goma, constituída por hidratos de carbono complexos com elevada qualidade como espessante, emulsionante e estabilizante, utilizando-se na indústria alimentar, farmacêutica, cosmética e têxtil.

Cada vagem costuma ter entre 10 e 16 sementes, chamadas quilates, de aspecto uniforme e peso quase invariável. Tal facto determinou o antiquíssimo uso dessas sementes para avaliar diamantes e ouro. Ainda hoje se utilizam os termos internacionais “kilat” e “karat”, provenientes da designação dos grãos de alfarroba.

Em fitoterapia e atendendo às propriedades medicinais da alfarrobeira que é hipertensora, laxante, antidiarreica e sedativa, ela está indicada para desinteria, prisão do ventre, enfermidades de brônquios, hiper acidez gástrica e sistema nervoso. Note-se que as vagens, quando verdes, são laxantes, mas quando castanhas, produzem o efeito inverso, isto é, prendem os intestinos.

Para terminar, não devemos esquecer que a alfarroba é excelente para elaborar rações para animais (com excepção das galinhas, devido ao alto teor de tanino) e que as alfarrobeiras, quer pela sombra que proporcionam, quer pela bela folhagem persistente, constituem apreciadas árvores ornamentais.

Miguel Boieiro

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6 Comments

  1. Mónica Rebelo 30 Junho 2018 at 09:49

    Que engraçado que é recordar a nossa infância, dando até vontade de vivê-la outra vez 🙂
    Gostei do comentário, beijinhos!
    (já agora convido-te a ler um outro texto meu a ver com uma receita em que eu já experimentei a utilizar alfarroba, bastando pesquisar neste blogue por "pão de alfarroba")

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  2. Coisas de Feltro 30 Junho 2018 at 09:44

    Em miúda adorava roer alfarroba, e há algum tempo encontrei à venda e comprei. A mim, sabe-me à infância, nunca mais tinha comido e agora que falas nisso, tenho que ir à procura outra vez.

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  3. Mónica Rebelo 29 Junho 2018 at 14:32

    Já vi o tal post acerca do desafio e está muito bem 🙂
    Boas continuações para o blog, porque… nós somos o que comemos!

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  4. Mónica Rebelo 29 Junho 2018 at 14:31

    Muito obrigada pelo comentário!
    E realmente "nós somos o que comemos" e há muita coisa que desconhecemos ainda, sendo também um dos papéis dos blogs, o de partilhar conhecimentos!
    Ao longo da minha vida também tenho sentido necessidade de alterar alguns hábitos alimentares, logo também me sinto mais motivada para procurar saber mais, logo por que não divulgar esses mesmos assuntos?!
    E eu também gostei de passar pelos seus blogues, boas continuações!

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  5. Ana Rodrigues 29 Junho 2018 at 14:14

    É muito bom conhecer melhor a natureza, as propriedades das plantas. Penso que é um campo cada vez menos conhecido. Gostei de ler. Respondi ao desafio lançado do Sunshine Blogger Award, é o post de hoje! 🙂 Beijinhos e obrigada pela nomeação.

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  6. Os olhares da Gracinha! 29 Junho 2018 at 14:14

    Mónica … desconhecia muita informação que ainda não faz parte da minha alimentação!
    Fiquei curiosa!!!
    Aceitei o desafio que a Ana Rodrigues me passou … e um dia destes responderei às questões!
    Passarei mais vezes!

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