A Doçaria Conventual em Alcobaça é riquíssima e herdeira no que diz respeito a tradições gastronómicas dos Monges de Cister, senhores dos antigos Coutos de Alcobaça que, em mais de sete séculos de permanência na região, deixaram como marca de excelência a sua dedicação à terra, à arte, à agricultura, ao empreendedorismo e também à doçaria conventual. São famosas as cornucópias, o Pão-de-Ló de Alfeizerão, as trouxas de ovos, o licor de ginja de Alcobaça, entre muitas outras iguarias.
Para poder apreciar e deliciar-se com estas e outras maravilhas, Alcobaça recebeu a XIX Mostra Internacional de Doces & Licores Conventuais entre os dia 23 e 26 de novembro.

São quase 20 anos desta grande Mostra Internacional, organizada pela Câmara Municipal Alcobaça, que foi pioneira na abordagem turística da doçaria conventual, trazendo anualmente, sempre por volta desta altura, ao Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça, dezenas de participantes e milhares de visitantes. Acrescente-se que este evento destaca-se entre os melhores eventos gastronómicos internacionais pela sua qualidade, originalidade e identidade, respeitando o legado da cultura cisterciense.

Por outras palavras: Alcobaça é hoje reconhecida internacionalmente pela excelência da sua Doçaria Conventual!

Já agora, quanto a novidades decorridas este ano: lançamento do Pão-de-Ló de Coz a 23 de novembro pelas 16h30m; presença das Ordens Religiosas de Cister, de Santa Clara e de São Bento; apresentação das obras bibliográficas “Doçaria Concentual de Lorvão” (1ª edição 2013 | 2ª edição 2017), de autoria do Professor Nelson Correia Borges no dia 23 de novembro às 18h30, “Cinco séculos à mesa – 50 receitas com história” (2016) de Guida da Silva Cândido no dia 24 de novembro, pelas 18h30 e “Pedro e Inês – uma história de amor” da autora alcobacense Vanda Furtado Marques com ilustrações de Ana Mateus no dia 25 de novembro às 18h30.

Em primeiro lugar, a doçaria conventual portuguesa tem origem nos seus conventos e mosteiros, uma tradição de muitos séculos de história que engrandece a nossa gastronomia ao nível internacional.

Se, por um lado, os doces conventuais, que tinham como ingredientes o açúcar, as gemas e as amêndoas, estiveram sempre presentes nas refeições servidas nos conventos, os licores igualmente tão bem apreciados, que eram destilados a partir de bagas e de várias plantas, inicialmente eram usados para fins medicinais.

E foi só a partir do século XV, com a expansão do comércio do açúcar, que os doces atingiram maior notoriedade, possibilitando obter vários pontos de calda, permitindo ao mesmo tempo a preservação dos doces durante vários dias.

Depois, entre os séculos XVIII e XIX, Portugal era o maior produtor de ovos da Europa, em que parte das claras dos ovos eram exportadas e usadas para, entre outros fins, engomar roupas elegantes da corte europeia. Mas com a chegada em larga escala de açúcar, das antigas colónias portuguesas, a inspiração dos monges e das monjas juntou o açúcar com as gemas iniciando aquilo que hoje se denomina de Doçaria Conventual.

Entretanto, os nomes dos doces conventuais derivavam da religião católica e da vida monástica: “barrigas de freira”, “papos de anjo”, “toucinho do céu”, etc.

Para terminar, a partir de 1834, com a extinção das Ordens Religiosas, as receitas saíram dos conventos, passaram de mão em mão, de geração em geração e hoje, para nossa “devoção”, as deliciosas receitas de doces conventuais portugueses permanecem bem vivas e na nossa mesa!

Numa das primeiras salas em que eu entrei, por exemplo, dirigi-me logo para o que estava exposto na mesa assinada pelas Monjas Cistercienses de Rio Caldo, de São Bento da Porta Aberta, cuja tradição monástica tivera origem no século VI, com a decisão dos respetivos Padres Fundadores São Roberto, Santo Alberico e São Estêvão, em 1098, de quererem voltar à prática primitiva da Regra de São Bento, cujos pilares eram a oração, o trabalho manual e a leitura espiritual, num ambiente de silêncio mas com uma vida fraterna intensa, nascendo assim a Ordem de Cister em França

Na verdade, as Monjas Cistercienses, com o seu trabalho, sobretudo do tipo manual,conseguem ter uma certa autonomia, dedicando-se a fazer compotas, biscoitos caseiros, xaropes, terços, casaquinhos de bébé, sabonetes artesanais, etc.

E sendo a única Irmandade de S. Bento da Porta Aberta residente em Portugal, voltaram a ser convidadas a participar na montra de doces e licores conventuais deste ano, mas já durante o ano passado, por exemplo, tinham conseguido adquirir o primeiro prémio na categoria de melhor compota conventual de Ameixa com Chocolate Preto, tendo desta vez trazido as seguintes novidadeslaranja com vinho tinto, pêssego com menta fresca e morango com malagueta.

Mais tarde tive a oportunidade de colocar algumas questões na mesa respeitante à empresa Brisadoce, que se dedica desde 2007 à produção e comercialização de doces regionais, mas também de doces conventuais, localizando-se em Amarante.

No que diz respeito aos doces conventuais, a sua origem está intimamente ligada ao Convento de Santa Clara de Amarante, que fora fundado no século XIII por D. Mafalda, mediante uma carta de protecção dada por D. João I às clarissas em 1383, que depois de ser reconstruído e ampliado por volta de 1560, numa obra custeada pelo Conde de Redondo, albergando uma grande comunidade de religiosas, ficara bastante destruído com o incêndio que atingira a própria vila de Amarante em 1809 durante as invasões napoleónicas. 
Depois desta data, o espaço fora transformado em residência particular de um abastado proprietário da região emigrado no Brasil, que ao promover obras de reestruturação do edifício alterou substancialmente a sua traça primitiva, passando a designar-se de Casa da Cerca

Do espaço conventual quinhentista subsiste ainda uma capela, onde se pode observar o portal de gosto classicista e a abóbada de berço dividida por caixotões decorados com rosetas esculpidas em relevo. 

Nas últimas décadas do século XX, a Câmara Municipal de Amarante procedeu a escavações arqueológicas no espaço da Casa da Cerca, pondo a descoberto os contornos da planta do convento, onde se podem distinguir as quatro alas, o espaço do claustro onde se ergueu um chafariz e a igreja com torre sineira, tendo sido atualmente adaptado a biblioteca e arquivo municipal. 

E as então freiras do ramo feminino da Ordem Mendicante Franciscana, devotas de Santa Clara (advogada da fala), foram as principais responsáveis pelo desenvolvimento e difusão da doçaria que constitui, hoje, uma das referências da cultura local. A oferenda à santa de aves de capoeira – metáfora da desenvoltura da fala rogada pelos fiéis com dificuldades – permitira a utilização dos seus ovos, principal matéria-prima que deu origem à tal doçaria conventual,designadamente: São Gonçalos, Foguetes, Papos de Anjo, Brisas do Tâmega, Lérias e Pingos de Tocha.

Já agora, quanto aos próprios biscoitos de São Gonçalo, diz a lenda que toda “a rapariga encalhada que vá às festas de São Gonçalo deve puxar três vezes o cinto que pende da imagem do santo“, tratando-se na verdade de um diabo e não de um santo, pois o seu culto incorpora intensos atributos operativos de antigas e ignotas divindades pagãs”, na opinião de Aurélio Lopes em http://www.oribatejo.pt.

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